Esta é uma reportagem diferente que trago aos leitores de Cosas del Campo. Não consegui isenção jornalística suficiente para escrevê-la em terceira pessoa como mandam os bons manuais. Contudo, toda licença poética é permitida aos que se expressam com o coração e talvez seja exatamente isso que apenas consegui fazer.
Antes de mais nada, preciso dizer que tenho uma neta de 14 anos. Talvez por isso, a imagem de João Francisco Delabary em pista, tenha me marcado tanto. Fora isso, impossível não ver um jovem, nesta situação particular, sem se sentir apreensivo.
Desde a passagem pela avaliação morfológica, senti uma forte emoção ao ver João Francisco. Foi impossível não pensar nas diferentes emoções que colidiam na cabeça do adolescente.
Mas, foi na prova de figuras, quando ele errou o percurso, que realmente deixei a jornalista de lado. Assim como acredito ter ocorrido com muitos que estavam na Arena do Cavalo Crioulo, eu chorei. Sabia que mais do que a nota baixa, o que impactaria para João Francisco seria o que seus pais, em casa, poderiam ter sentido. Afinal, ele estava ali representando o pai, que adoentado, assistia ao filho pelas redes sociais.
Cada vez que o ginete estreante virava a cabeça para ver que placas os jurados haviam levantado, eu buscava tentar entender a mensagem que seu olhar transmitia. Impossível! Só conseguia pensa que se fosse meu filho, eu gostaria de estar lá, na saída para dar aquele abraço apertado e agradecer por toda a dedicação e esforço.
E talvez tenha sido isso que nosso diretor, Gabriel Sanes, que está em Esteio, quis ter feito ao conversar com João Francisco à noite. Ao repassar o áudio da gravação para eu escrever este texto, ele disse, com voz embargada, que nem sabe o motivo de não ter chorado. Eu te entendo, Gabriel! Não deve ter sido fácil ouvir as palavras deste grande garoto.
É claro que você que chegou até aqui, deve estar dizendo “ok, Ieda, muito legal, mas o que disse o João?”. Ele avaliou o primeiro impacto de estar na pista, sozinho, ele e a égua. “É uma sensação complicada, pois é um misto da satisfação de ter chegado até aqui e o compromisso de que a égua saia bem, que eu consiga mostrar o melhor da égua para as pessoas”, relatou. Mesmo com a voz trancando, ele falou que é gratificante estar na pista com um animal da sua criação. Como um ginete experiente, o estreante disse “que tudo que havia para treinar e ajustar nós conseguimos e ajustamos bem, então agora vamos usufruir do que a gente fez”.
Como acontece com muitos jovens de família de criadores, João Francisco estuda na cidade, distante da propriedade. Ele lembra que havia chegado em casa depois da aula, largado a mochila e recebeu uma ligação do pai, Gustavo Delabary. “Ele perguntou se eu estava bem, o que estava fazendo e que precisava falar comigo”, lembra. Foi quando Gustavo disse que havia um problema, que havia uma suspeita e por fim houve a comprovação de que estava com Covid-19. Em seguida, ele perguntou se o filho se animava a correr a égua para ele. “Na hora, me joguei pra trás! Não tive uma reação certa...Dá um nervoso, e agora o que vou fazer...”, relata o jovem. Segundo ele, desde que havia se mudado para estudar, perdeu o contato com Vigia da Marca Antiga. “Aceitei, pois a gente já tinha todo aquele trabalho com ela, correr era o de menos”, completou.
A pergunta seguinte, de Gabriel, sobre o que a mãe teria dito ao filho, derrubou novamente esta jornalista. Acredito que por estar distante das redações diárias, onde as pautas de segurança pública me deixaram amortecida para os sentimentos, deixei o riso e as lágrimas se soltarem de novo. João Francisco foi preciso ao reproduzir as palavras da mãe: “Vai. Te cuida e não esquenta a cabeça”. Me coloquei no lugar dela e pensei no que diria para minha neta. Talvez minha lista de recomendações fosse mais longa – te agasalha, troca as meias se molhar os pés, não esquece de agradecer à égua por tudo, te alimenta, procura dormir, não tira a máscara, usa álcool gel, me liga antes e depois da prova...e por aí vai. A sorte dele, é que sou apenas a jornalista e não integrante da família! Mas, ele estava na casa do avô e ouviu dele talvez o melhor conselho: “Ele disse: vai, faz o teu melhor e deixa que a égua é boa de fato e independente do que tu apresentar as pessoas vão perceber que ela ´uma boa égua”.
Ao conversar com o rapaz, Gabriel destacou a foto que ilustra esta matéria, na capa, onde parece que ele diz para o animal que estão só os dois dali para frente, registro feito durante a avaliação morfológica. “É uma égua extremamente boa com relação ao temperamento. Ela procura entender e eu procuro entender o raciocínio dela. Na prova, senti que ela estava mansa de fato, deixando que eu tocasse ela, e isso é muito gratificante, por ela aceitar tudo que a gente manda, explicou.
Ainda durante a apresentação na avaliação morfológica, o comentário na Arena do Cavalo Crioulo era de que João Francisco correria o Freio Jovem e que, por conta do adoecimento do pai, antecipou etapas. Mesmo assim, o rapaz deixou uma mensagem para aqueles que seriam seus companheiros de prova. “Eu sei que a grande maioria dos que estão correndo o Freio jovem é competente e busca entender o cavalo. Eu diria que busquem saber até o limite que o cavalo pode ir se foquem, e busquem cada vez melhorar mais. É muito bom chegar até aqui e conseguir correr e eu sei que quem está lá no Jovem tem muito conhecimento sobre as provas, mas não se enervem e prestem bastante atenção”, falou.
Com provas duras pela frente, onde a aptidão vaqueira predomina, João Francisco avaliou que está com mais confiança na sua égua. “Embora eu tenha errado o percurso hoje, ela estava me respeitando e me senti mais confiante nela”, confessou.
Independente de como for seu desempenho nas provas de Mangueira e de Campo, João Francisco pode ter a certeza de que, assim como nas provas de quinta-feira, vai receber todo o apoio da torcida e de seus colegas ginetes. Além disso, vai arrancar mais lágrimas desta que vos escreve, pois ele se mostra um jovem seguro, contudo é um menino de 14 anos, correndo uma final de Freio Ouro, quando a competição completa 40 anos, longe da família, e torce no pela recuperação do pai, que o assiste em casa, com um baita orgulho do filho q. ue criou e com a certeza de que fez o certo ao mandá-lo para Esteio com a missão de montar Vigia da Marca Antiga.
Ao me despedir de vocês, com este texto diferente, pra lá de emocionante, agradeço que hoje tudo seja feito no computador, pois se eu estivesse escrevendo na minha antiga Olivetti, o papel já estaria molhado. E, me perdoem os demais ginetes, mas o troféu de Ginete do Ano, eu daria para João Francisco. Ah! Coincidências não acontecem! Ano passado, quem levou o prêmio para casa foi Daniel Teixeira, que demonstrou profissionalismo e superação ao correr de braço quebrado. Ele também estreou aos 14 anos em uma final do Freio de Ouro, substituindo o pai, em 1994.
Texto: Ieda Risco – Cosas del Campo/Cavalo Crioulo
Entrevista: Gabriel Sanes – Cosas del Campo/Cavalo Crioulo
Imagens: Gabriel Sanes – Cosas del Campo/Cavalo Crioulo e Fagner Almeida
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