Embalados sob o trote do Cavalo Crioulo, eles cantam, sorriem e percorrem sutilmente o trajeto de 220 km, entre as ruas centenárias e os verdejantes campos de plantação de arroz, em solo fronteiriço no extremo sul do país. As jovens mãos seguram as tiras de couro na condução dos cavalos, despretensiosamente, carregam também o sonho e a certeza da perpetuação da modalidade de resistência, tripé seletivo da raça. Os olhos brilhantes e repletos de felicidade espelham um futuro verdadeiro e esperançoso de que, em mais um ano, a missão foi concluída e terá uma versão ainda melhor. São meninos e meninas com pouca idade, chegando no máximo há uma década e meia de vida, mas que esperam ansiosamente o período de férias para encilhar seu cavalo, colocar o pé no estribo rumo à estrada para viver sete dias de muita amizade, alegria, aprendizado e superação. Toda essa vivência de sucesso chega na nona edição na Marchita da Gurizada, com a participação de 78 conjuntos, realizada entre os dias 13 a 20 de dezembro, pelo Núcleo de Criadores de Cavalos Crioulos Eudóxio Corrêa, em Jaguarão, no Rio Grande do Sul.
Uma encomenda de sucesso
"Eu vou ajudar vocês o tempo que for, mas eu tenho uma encomenda a ser feita: vocês tem que criar um projeto para incentivar e perpetuar isso nas próximas gerações", foi com esse pedido feito por Carlos Alberto Martins Bastos, também conhecido por "Caberto Bastos", da Cabanha Itapitocai, que João Pedro Albuquerque, comissário da Marcha Anual de Resistência, começa a contar como surgiu o projeto Marchita da Gurizada. Da mesma forma que muitos projetos e parcerias realizadas dentro da raça, uma conversa entre amigos na arquibancada, durante uma final da Expointer, em Esteio/RS, Luiz Carlos Albuquerque (tio de João Pedro) com Caberto, visava incentivar a Marcha Anual da Resistência, tradicionalmente realizada em Jaguarão, ativa e realizada até os dias atuais, onde os conjuntos percorrem 750 km. Buscavam apoiadores para fomentar e incentivar a modalidade, além da já existente com a Associação Brasileira de Criadores de Cavalos Crioulos (ABCCC). Após conversa, encaminhado pelo tio João Pedro, destinou-se até Uruguaiana/RS, para conversar com o Caberto no intuito de solidificar a parceria e na ocasião recebeu a solicitação de realizarem um projeto para perpetuar e incentivar as futuras gerações a participar da modalidade.
O projeto já estava sob planejamento e a proposta e incentivo, por parte do responsável da Cabanha Itapitocai, foi o pontapé necessário para executar e assim lançar a primeira edição da Marchita da Gurizada, em 2013, inicialmente realizada nas férias de junho, espelhada nos modelos da modalidade realizada pelos adultos, adaptando apenas a quilometragem percorrida e dias de duração da prova. Passando posteriormente por adaptações e alterando para as férias de final de ano, em dezembro. Com quase uma década, o projeto cresceu e chegou a sua 9ª edição este ano, (devido a Pandemia do Covid-19, um ano não foi realizado). "A cada ano temos mais e mais participantes. Chegando a nona edição contamos com 78 inscritos e pode ter certeza que ano que vem vamos ter cem participantes", destaca João Pedro, sob o sucesso da prova.
Muitos já concluíram o trajeto da Marchita, a qual é importante ferramenta de fomento e formação de pilotos para a Marcha Anual de Resistência do Cavalo Crioulo, "Tem vários que correram as primeiras Marchitas e hoje correm a Marcha Anual de Resistência, a gente fica feliz, porque são bons pilotos, bons corredores, aprendem o dia a dia da prova, aprendem como funciona e fazem bem, isso nos enche de orgulho", enfatiza João Pedro. Entre nomes que já participaram do projeto, estão bisnetos e netos diretos dos primeiros formadores da raça, filhos de jurados destaques no meio do Cavalo Crioulo, além do envolvimento entre os municípios de Jaguarão, Arroio Grande, Pelotas e também a forte presença dos competidores uruguaios.
Mais que uma prova
Em seu molde, a Marchita da Gurizada traz aos competidores a vivência com o Cavalo Crioulo, aproximando as crianças dos animais, mas além disso, também com ensinamentos voltados para responsabilidade, espírito de convivência em grupo, empatia, superação e determinação, seguindo obviamente, de forma responsável, as condições favoráveis para a execução do percurso em segurança. Os competidores são acompanhados por monitores que auxiliam durante a prova. Alguns deles iniciaram nas primeiras edições e hoje ocupam a função de ajudar aos mais novos. Um exemplo é o jovem Inácio Paiva Sá da Silva, 17 anos. Filho de comissário da Marcha Anual de Resistência do Cavalo Crioulo, irmão de participante nas atuais Marchitas, Inácio tem vivência de todos os lados na prova, e conta que sua participação no projeto foi de grande experiência, "A Marchita pra mim é um aprendizado para a vida, é muito satisfatório participar e hoje estar junto com as crianças ensinando a ter responsabilidade, conviver e aprender a cuidar do Cavalo, além das amizades que são feitas aqui, é tudo que aprendi sendo repassado a eles", destaca ele.
Eles passam o ano todo esperando o período de férias para rever as amizades feitas na última edição que participaram, reconhecem os amigos quando os encontram em outros ambientes, são fortes laços criados entre crianças e animais. Apesar de muitos terem nascido cercados no ambiente crioulista, outros não tinham contato algum com o cavalo, e foi paixão "a primeiro galope". Prova disso é a competidora uruguaia, Emilly Mandl Lopez, de onze anos: "É meu quarto ano competindo. Antes de chegar na escolinha de equitação eu nunca tinha montado em um cavalo, comecei com sete anos e agora tenho uma égua com sangue marcheiro. Eu amo muito vir para a marchita e quero continuar na Marcha de Resistência", comenta a jovem com sorriso largo no rosto, enquanto acariciava Veneta de Santa Anita, égua adquirida para a competição, após a etapa da manhã realizada debaixo de chuva. Um pouco diferente, os gêmeos Manuela e João Vithor de Faria Passos, 10 anos, filhos do jurado das modalidades do Cavalo Crioulo, Luciano Correa Passos, carregam o orgulho e prazer de terem sua vivência toda ao lado do Cavalo Crioulo, e nos momentos de lazer não poderia ser diferente, eles participam do projeto há sete anos e relatam como é participar: "A gente vem e fica bastante com os cavalos, convive com as pessoas, faz amigos novos, se diverte um monte".
Tradição aliada a novas oportunidades
Da mesma forma que surgiu, através de laços de amizade apaixonados pelo Cavalo Crioulo e suas modalidades, a Marchita da Gurizada oportuniza e fomenta outros segmentos da raça, "Hoje temos centros de treinamento, hotelarias, cabanhas especializadas em animais próprios para a modalidade, entre os já existentes segmentos da raça", destaca João Pedro Albuquerque. Fato presente na vida da instrutora do Centro de Equitação Gaúcha, Kellen Lemos, que junto com seu esposo (que faz a preparação e condicionamento físico dos Cavalos), trabalham preparando crianças e adultos para participarem das provas de resistência. "Há sete anos trabalhamos com cavalos de resistência e há três anos a gente prepara e traz as crianças na Marchita. São oito crianças e nove cavalos que participam desta edição. Preparamos as crianças para que elas aprendam a se comportar na prova, desde a respiração delas até a melhor condução e aproveitamento do preparo dos animais, para que assim ambos terminem a prova com qualidade e tranquilas. O preparo inicia-se três meses antes da data da prova. É muito gratificante a questão do treino, mas aqui estamos na torcida, aqui elas vem e curtem a prova, brincam de manhã e de tarde depois das etapas", comenta a instrutora. Kellen tem no seu currículo a participação em duas edições da Marcha Anual de Resistência do Cavalo Crioulo, a qual ajuda no conhecimento a ser passado a seus alunos "Como já participei da marcha, eu ensino meus alunos desde as vestimentas a usarem, roupas confortáveis, sem etiquetas, porque uma etiqueta pode machucar e incomodar, são provas longas e isso pode interferir na qualidade de realização da prova, até controle do relógio, melhoria de tempo, e depois só curtir todo o momento".
Os frutos do trabalho e amor vindo diretamente da casa da instrutora e do domador e treinador de Cavalos para Marcha, a pequena Nathalia Gonzalez Lemos participa pelo terceiro ano da Marchita, "Eu gosto muito e quero correr a Marcha de Resistência quando crescer! Na escolinha minha mãe ensina sobre cavalos, como montar, como cuidar, é muito bom poder passar esse tempo com eles", conta Nathalia já prevendo a perpetuação na Marcha Oficial.
Redator: Daymon Grocheviski/ABCCC
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